Com uma área de 22.000 m2, o Palais de Tokyo, localizado em Paris, é o maior museu dedicado à arte contemporânea na Europa. Construído no contexto da Exposição Universal de 1937, sua inauguração oficial ocorreu em 9 de junho de 1945 com uma exposição de coleções que haviam sido deslocadas durante a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, poucas pessoas sabem que o nome do museu possui uma ligação direta com a Primeira Guerra Mundial.
Naquela ocasião, o Japão havia sido um aliado da França, participando ativamente da expulsão de forças alemãs de territórios situados no Extremo Oriente. Como forma de agradecimento uma rua de Paris – o quai Debilly – foi rebatizado em 1918 de avenue de Tokio (grafia da capital japonesa vigente na época), razão pela qual o Palais de Tokyo, situado nesta avenida, recebeu este nome em 1937. Em fevereiro de 1945, em função da aliança do Japão com a Alemanha nazista, as autoridades francesas mudaram o nome da avenida para avenue de New-York, mas mantiveram o nome do museu inalterado.
Mas não é somente em Paris que há este vínculo entre arte e a participação do Japão na Primeira Guerra. Bem longe da capital francesa, nos arredores da cidade de Naruto (鳴門市), situada na ilha de Shikoku, o museu Naruto Doitsu-kan (鳴門市ドイツ館 – The Naruto German House) apresenta em sua coleção objetos ligados ao campo de prisioneiros de guerra que ali existiu: Bandō (坂東俘虜容所 – Bandō Furyoshūyōsho).
Ativo entre 1917 e 1920, esse local foi uma das consequências da colaboração japonesa no combate à presença alemã em territórios do Extremo Oriente. Graças ao seu diretor, Toyohisa Matsue (1872-1956), este espaço de detenção apresentava muitas peculiaridades em relação a outros campos de prisioneiros. Filho de um samurai do clã Aizu (会津藩) que tinha sido destituído de suas funções e de seu prestígio durante a era Meiji, Toyohisa cresceu testemunhando as humilhações sofridas pelo seu pai.
Em função disto, era uma prioridade sua não fazer do campo de prisioneiros que dirigia um cenário de represálias e humilhações dos prisioneiros alemães. Sua compaixão era evidente no discurso que fez aos prisioneiros: “Todos vocês são soldados valentes que lutaram longe da pátria até o fim, sem ajuda alguma, na isolada Tsingtao. No entanto, a sorte não estava ao seu lado e vocês tiveram que se render ao exército japonês. E eu não posso deixar de sentir compaixão por vocês. O que eu pretendo fazer é agir com honra, pelos soldados valentes que vocês são”.
Deste modo, o campo tornou-se uma espécie de vilarejo germânico implantado no interior do Japão, um local de vida híbrida onde a coabitação entre os japoneses e os quase mil prisioneiros alemães se traduzia em vários intercâmbios socioculturais. Havia, por exemplo, uma biblioteca, um complexo esportivo, um centro médico e os prisioneiros formaram duas bandas – a MAK Orchestra e a MA Brass Band – e eram também os responsáveis pela edição do jornal Die Baracke (“O quartel”), no qual, além de notícias ligadas ao próprio campo e à atualidade, eram publicados poemas e outros textos de autoria dos prisioneiros.
A atmosfera reinante em Bandō representou a ocasião para que as práticas artísticas fossem retomadas e passassem a pontuar o dia a dia.
É preciso não perder de vista que a maior parte deles, mais do que indivíduos belicosos, eram jovens para quem o combate em nome da pátria havia sido mais uma imposição no contexto da guerra do que fruto de uma vocação militar. Muitos desses jovens encontravam-se em Tsingtao por terem-se voluntariado para residir na colônia alemã que havia sido criada lá em 1898. Alguns deles possuíam talentos artísticos que foram abruptamente postos de lado quando a cidade foi tomada pelos japoneses durante a guerra. A atmosfera reinante em Bandō representou a ocasião para que as práticas artísticas fossem retomadas e passassem a pontuar o dia a dia, influenciando diretamente a dinâmica das relações entre os prisioneiros e os japoneses. Trata-se de uma experiência inédita, sobre a qual muito pouco se fala e que constitui um imenso diferencial no que diz respeito a à ação de autoridades nipônicas junto a outros prisioneiros de guerra, ou mesmo estrangeiros presentes no país durante conflitos internacionais.
Vale lembrar que a poucos quilômetros do campo de prisioneiros, mais precisamente na cidade de Tokushima, vivia o escritor português Wenceslau de Moraes (1854-1929) que foi convocado pela polícia local em 1914 no intuito de averiguar que ele não era um espião, embora já vivesse no Japão há 15 anos. Num cartão postal enviado para a sua irmã Francisca, que residia em Lisboa, Wenceslau evocou o confronto entre as forças japonesas e alemãs na cidade de Tsingtao, mas não a sua convocação pela polícia. Ele igualmente não faz nenhuma referência ao longo de sua obra, ou em cartas, ao campo de Bandō.
Apesar desse silêncio, é interessante imaginar que ele poderia ter integrado a plateia de um evento histórico: no dia 1° de junho de 1918, os músicos do campo organizaram um concerto no qual tocou-se pela primeira vez no Japão a 9ª Sinfonia de Beethoven, fazendo com que a obra ganhasse grande popularidade no país e inaugurando a tradição que persiste até os dias atuais de se tocar esta obra em Naruto, no 1° domingo de junho, como sinal do potencial da arte em ressignificar e ultrapassar animosidades ligadas à guerra. Em 2006, o diretor Masanobu Deme (1932-2016) retratou a história deste campo de prisioneiros no filme Baruto no Gakuen (バルトの楽園).