Está disponível na Netflix o último filme dirigido por Tatsushi Ohmori (1970-), do interessante Ravina do Adeus (Sayonara keikoku, 2013), Laço Materno (MOTHER マザー, 2020). Acompanhamos a história de Akiko (Masami Nagasawa), mãe solteira e completamente irresponsável, tóxica para com o seu filho Shuhei (Sho Gunji). Logo nos minutos iniciais da trama, Akiko larga o emprego e passa a tarde perambulando pela cidade com o filho. Um pouco depois desaparece por uma semana com o recém namorado Ryo (Sadao Abe) deixando Shuhei sozinho, uma criança de apenas oito anos para se auto sustentar. Akiko vive de trapaças, furtos e pedidos de empréstimo com a família (os pais e a irmã se negam a ajudar, sabendo sobre os seus vícios e completa irresponsabilidade), colocando sempre o filho Shuhei como cúmplice, forçando-o a cumprir (a contragosto) todos os seus interesses pessoais. A criança, traumatizada claramente por todos os abusos psicológicos que sofre, acaba por ceder a todos os pedidos da mãe e se prontifica a cumprir qualquer designo.
Toda essa história de corrupção de Shuhei é traçada por diversos capítulos com intertítulos (datação dos dias e meses) que nos auxiliam no entendimento da passagem do tempo (elipses), algo prático para se entender racionalmente o desenrolar da história e dos eventos que a permeiam, mas que atrapalha o ritmo narrativo. Um deslize, ao meu ver, do cineasta Ohmori já que é possível compreender não precisamente, mas sensorialmente, a maneira como a passagem do tempo é estabelecida. Como por exemplo no início do filme, quando Akiko desaparece e deixa Shuhei sozinho. Vemos uma casa organizadamente controlada, um corte de uma cena para a outra faz surgir o mesmo ambiente agora tomado totalmente pela sujeira, com copos e comida espalhado por todo o lugar.
Em Laço Materno percebemos que a situação sobre a dependência, a preocupação pelo outro e, principalmente, o amor é invertida. Aqui o filho Shuhei é o personagem que nutre toda a sua preocupação e amor pela destrutiva mãe Akiko, ao mesmo tempo em que ela se apresenta como infantil e totalmente dependente do filho para sobreviver. Aí se encontra um segmento importante para o filme, a dubitabilidade do verdadeiro sentimento de Shuhei por Akiko, que nos arrasta até o clímax do longa. Um trabalho interessante realizado também por Daiken Okudaira, o ator que interpreta o filho já na fase da adolescência. Com o olhar cabisbaixo e cerrando o punho com o braço em descanso, Okudaira nos coloca diante de uma persona aflita, desesperançosa e tomada por completa tristeza. Ao mesmo tempo em que a atriz Masami Nagasawa entrega uma Akiko dissimulada e perceptivelmente vazia, tanto nos olhares fixos para o nada quanto na maneira de expressar os seus sentimentos para o filho Shuhei.
Todo esse sentimento de Shuhei também ganha ainda mais significado com uma câmera trêmula, que se justifica nos momentos de crise dos personagens, principalmente nos conflitos em que se faz presente Akiko. Uma possível aproximação de registro de cinema-verdade como proposto por Jean Rouch (1917-2004) em manter o caráter híbrido entre estética documental e ficção, mas que falha em alguns momentos (claro, o que não chega a ofuscar outros acertos linguísticos já citados) como, por exemplo, a cena na casa de adoção. Um outro ponto a se ressaltar sobre a estética é o uso frequente de planos gerais com apenas um personagem em cena com o intuito de provocar a solidão e o desespero em que aquele personagem se encontra.
É impossível não comparar o trabalho de Ohmori em Laço Materno com o último filme de Naomi Kawase, Mães de Verdade (Asa ga Kuru, 2020). Enquanto Akiko é completamente tóxica, as mães de Kawase são devotas aos filhos mesmo que pelo caminho de uma gravidez não planejada e uma adoção acabam por se tornar “pedras no caminho”, mas que são pulverizadas em nome do amor e do sacrifício. Isso parte obviamente de uma comparação crua entre Laço Materno e Mães de Verdade, já que em ambos os filmes existe toda uma complexidade interna das personagens que nos são entregues (ou não) conforme a narrativa é construída. Digo isso porque, ao meu ver, Akiko carece de uma informação a priori para compreender o seu estado psicológico, algo que não atrapalha a forma como nós a entendemos, mas limita esse possível alcance de compreensão.
Laço Materno é um filme sobre amor e sacrifício, uma crítica severa sobre as consequências de uma relação tóxica. Talvez um amor não correspondido, não entre dois amantes, mas sim entre mãe e filho: um amor que deixa de ser incondicional quando condicionalmente um não consegue amar nem a si mesmo.