Em setembro de 2020, o diretor japonês Kiyoshi Kurosawa (1955 – ) ganhou o prêmio Leão de Prata de Melhor Diretor no Festival de Veneza pelo filme Wife of a Spy (Supai no tsuma, em japonês; Esposa de um espião, em português). Ainda sem data de estreia no Brasil, o longa trata de um casal em conflito com as autoridades japonesas às vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Esse é o terceiro prêmio que Kurosawa recebe nos grandes festivais de cinema europeus. O diretor havia recebido anteriormente o prêmio de melhor diretor por Para o outro lado (Kishibe no tabi, 2015) e o do júri por Sonata de Tóquio (Tōkyō sonata, 2008), ambos na seção Un Certain Regard do Festival de Cannes.
Apesar de reconhecido e premiado por seus dramas familiares, Kiyoshi Kurosawa é bastante conhecido por filmes de suspense e horror. Um de seus primeiros sucessos internacionais, A cura (Kyua, 1997), é sempre mencionado como um dos exemplos da onda J-horror que agitou a produção de cinema japonesa na virada do milênio.
No entanto, a filmografia de Kurosawa é de difícil classificação, apesar de carregar muitos traços estéticos reconhecíveis, como o uso de planos-sequência e temáticas constantes como o conflito dos indivíduos com a coletividade. Wife of a Spy, seu último filme, carrega essa temática novamente ao entrar no delicado tema das atrocidades cometidas pelo Exército Imperial Japonês na Segunda Guerra Sino-Japonesa.
Em uma viagem de negócios para a região da Manchúria, o comerciante Yusaku Fukuhara testemunha ações comprometedoras do Exército Imperial Japonês. Após retornar à cidade de Kobe, no Japão, Yusaku ameaça denunciar os atos militares na Manchúria aos órgãos internacionais, mas é intimado pelas autoridades nacionais a não fazê-lo. Em conjunto a isso, Yusaku vive uma crise conjugal com sua esposa Satoko, e, assim, vida política e íntima se misturam nesse suspense de Kurosawa. Como em muitos dos filmes do diretor, ao lidarem com essa situação, Yusaku e Satoko precisam tomar decisões que desafiam a vontade coletiva.
O roteiro do filme foi co-escrito por Kurosawa, Ryusuke Hamaguchi (1977-) e Tadashi Nohara (1983-). Recentemente, Hamagushi tem obtido cada vez mais reconhecimento internacional como diretor. Seu último filme, Asako I & II (Netemo Sametemo), estreou no Brasil em 2018. Junto de Nohara, os dois escreveram o filme Happy Hour (Happī Awā, 2015), que não foi distribuído no Brasil, mas é um sucesso de crítica desde a época de seu lançamento.
Wife of a spy tem sido descrito como herdeiro dos suspenses de Alfred Hitchcock (1899-1980) e também parece contar com diálogos mais longos e profundos, característicos dos filmes de Ryusuke Hamaguchi. O filme também levanta algumas polêmicas por tocar no tema tabu das ações imperiais japonesas na Manchúria. Essas atividades envolveram cruéis experimentos de armas biológicas em prisioneiros de guerra e não foram condenadas no Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, entre 1946 e 1948, no pós-guerra, o que torna o assunto bastante delicado.
No entanto, em entrevista, Kurosawa afirmou que não tem como intenção realizar um posicionamento político com o filme, e sim usar esse fato histórico como base para o suspense.
A filmografia de Kiyoshi Kurosawa tem obtido distribuição no Brasil em sua maior parte. É possível conferir outras obras recentes do diretor como O fim da viagem, o começo de tudo (Tabi no owari sekai no hajimari, 2019), Antes que tudo desapareça (Yocho sanpo suru shinryakusha, 2017), Creepy (Kurīpī itsuwari no rinjin, 2016) e Para o outro lado (Kishibe no tabi, 2015) em plataformas de streaming nacionais.