Como muitos elementos da arte e também da cultura japonesa de modo mais amplo, o teatro nō (能 nō ou 能楽 nōgaku) teve origem no continente asiático. Ao adentrar o Japão, por volta do século VIII, ainda não tinha esse nome, sendo um divertimento popular, burlesco, realizado junto à população comum. Foi no Período Muromachi (1336-1573), após o xogum Ashikaga Yoshimitsu (1358-1408) assistir a uma apresentação do ator Kan’ami Kiyotsugu (1333-1384), que essa performance popular passou por um processo ativo e consciente de refinamento estético.
Com o incentivo e financiamento proporcionado pelo xogum, Kan’ami, junto de seu filho Zeami Motokiyo (c. 1363-c.1443), transformou o que antes era uma performance das classes mais populares em uma arte voltada para a elite, muitas vezes apresentada em contato com a natureza.
Zeami – que se tornaria o nome mais referenciado da arte do nō nos tempos seguintes – deixou muitos tratados sobre o nō, nos quais fala sobre a flor como a manifestação do belo no palco, a sensação a ser transmitida ao/à espectador/a. Um dos mais famosos dentre esses é intitulado Fūshikaden (ou “Da transmissão da flor de interpretação”, na tradução da especialista Sakae Giroux). Seus textos contêm instruções para as gerações futuras acerca dos caminhos dessa manifestação artística que hoje é considerada uma das mais tradicionais do Japão, tendo sido reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Autores recentes da literatura japonesa como Yukio Mishima (1925-1970) escreveram peças modernas de nō, imprimindo um ar de século XX nesta arte que sobrevive há séculos, muito por meio da passagem da tradição em famílias de atores. No Brasil, Haroldo de Campos (1929-2003) publicou em 1993 uma tradução criativa da peça Hagoromo (羽衣, O manto de plumas), de Zeami, que acabou rendendo ao poeta brasileiro o Prêmio Jabuti na categoria Tradução em 1994.
Referências:
CAMPOS, Haroldo de. Hagoromo de Zeami: o charme sutil. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
GIROUX, Sakae Murakami. Zeami: cena e pensamento nô. São Paulo: Perspectiva, 1991.
KUSANO, Darci. O Que é Teatro Nô. São Paulo: Brasiliense, 1984.
MISHIMA, Yukio. Five Modern Nō Plays. New York: Vintage Books USA, 2009.